O insustentável peso de ser

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A insustentável leveza da subversão ao romance

[…] um dia passeamos juntos sem
coleira o vento e eu.
nos perdemos devagar pela cidade e não
nos importamos só porque
estávamos juntos
e desde que estamos juntos, parece que alguém
acelerou os relógios do mundo, penso que isso
é Amor.

Há livros que nos tiram de nossa zona de conforto, não é? Já teve a impressão de que não gostou de um livro pela forma como ele é escrito, mas ainda assim, sentiu que ele é bom sem que consiga explicar o porquê?

Em 27 de agosto de 2015, Augusto de Campos, lançava Outro. Um livro de poemas com intraduções e outraduções, como informa sua sinopse.

Nele, o poeta condena taxativo: OS CONTEMPORÂNEOS NÃO SABEM LER.

Mas será que ainda não aprendemos? Ou não estamos preparados para sair da nossa zona de conforto?

aqui nada é meu,
igual a todos os outros lugares.
a rua era minha só na criança que fui,
de resto que mundo
estrangeiro.

Estava eu, outro dia desses, navegando na internet e me deparei com uma crítica ao livro de estreia de Aline Bei, O peso do pássaro morto, o qual eu tinha acabado de ler. 

Meia madrugada depois, o poema de Augusto de Campos me veio claro como nunca.

Aquilo que eu tinha mais amado na narrativa das personagens de Aline, foi motivo de crítica de outros leitores, comparando seus livros a poemas de bloco de notas. 

Embora a leitora que criticou a escritora, tenha ao final gostado do desfecho da história, aproveito-me do recurso poético para basar minha defesa à forma.

O que os contemporâneos não percebem é que Aline Bei além de ser genial, ela é subversiva. Brinca de poesia em território de romance, faz de seus textos e contextos o que ela quiser.

entendendo que o tempo
sempre leva
as nossas coisas preferidas no mundo
e nos esquece aqui
olhando pra vida
sem elas.

I rest my case com: quem é que disse que romance está num relicário e protegido do zeitgeist? Quem é que disse que o romance não pode sofrer subversão?

Sobre O peso do pássaro morto

será que com o uso
um dia a lágrima acaba?, a vida
pode ser longa e eu não queria
virar
uma menina sem lágrima no meio do caminho
uma mulher.

O Peso do Pássaro Morto é um romance intimista que mergulha nas profundezas da alma humana através da jornada de uma protagonista anônima. 

Publicado em 2017, o livro conquistou leitores e críticos pela sua sensibilidade e estilo singular, assim como  Pequena Coreografia do Adeus, o qual já trouxe a resenha para vocês. 

penso
que nunca
vou esquecer a morte
daqueles pássaros

Quando vi a capa deste livro pela primeira vez, nas redes sociais, me perguntava o que seriam esses números que aparecem ali: 8, 17, 18, 28, 37, 48, 49, 50 e 52. 

A dúvida se desfez ao me deparar com ele numa livraria, na cidade de Santos, em plenas férias desse mundo e do seu giro opressor que nos distancia da arte. 

Estava ali no primeiro “aos 8” e entendi que eram as idades e fases dessa protagonista sem nome. Dividido em 09 capítulos e um “póstumo”, este livro traz a relação desta mulher com as perdas que vivenciou ao longo de sua vida. 

pensei que a carla voltaria quando cansasse de
morrer
e imitaria as borboletas no pátio pro meu medo passar.
Fiquei esperando.

Os capítulos são curtos e fragmentados, uma prosa versada de característica da autora, o que confere uma atmosfera poética e reflexiva à obra.

A cada capítulo, a narrativa possui uma voz que vai mudando de acordo com a faixa etária dessa personagem que vai nos conduzindo numa jornada emocional profunda, despertando reflexões sobre a complexidade da vida e das relações humanas.

tudo bem.
eu vou fazer um óculos de bolacha maria assim que
acabar
a semana
de prova.

Aline Bei utiliza a mesma linguagem simples que encontrei em seu outro livro, porém sempre carregada de significados, explorando temas universais como amor, morte, solidão e identidade.  

De fato é um livro para tirar qualquer leitor de sua zona de conforto. Da sua forma escrita aos temas profundos, que embora tratados de maneira leve, nos fazem sentir de maneira muito próxima a dor da personagem e do seu peso de ser.

Um fato curioso, o qual não sei o porquê de me acontecer, é que nas duas vezes que li Aline Bei, é como se ouvisse a voz de Petra Costa. Não ela em Democracia em Vertigem, mas ela em documentário sobre sua irmã, Elena.

Falando em cinema, estão sabendo que este O peso do pássaro morto será adaptado para o audiovisual? Confiram.

Uma resposta para “O insustentável peso de ser”.

  1. Avatar de Rodrigo Padrini Monteiro

    Me lembro que comecei a ler a coreografia e parei. Talvez não era o momento de ler algo que me tirasse da zona se conforto. Buscava algo mais simples, para retomar o hábito de ler. Hoje, lendo sua crítica, penso que posso tentar mais uma vez, adotando uma perspectiva mais curiosa e menos rígida. Interessante!

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